Notas sobre um quase relacionamento


Para os meus amigos nós estávamos namorando. Para nós, nunca. Ou pelo menos eu nunca o achei e ele nunca fez questão de me convencer do contrário. Ou talvez ele pensasse nisso quando disse que 'a coisa estava ficando séria', o que aconteceu pouco antes de eu me fazer de desentendida.

Eu acho que me apaixonei pela ausência dele.
Era lindo lembrar dele comigo na cama me fodendo com força ou me dando colo e dizendo coisas bonitas. Isso é uma quase verdade. Ele não me dizia coisas bonitas. Na verdade ele nao me dizia quase nada. Por isso sua presença nao era tão interessante quanto sua ausência. Quando ele estava perto. Eu tinha que falar com ele quase por obrigação. E suportar seus silêncios. Também as coisas que ele falava não me interessavam muito. Mas sua ausências, por outro lado, eram mágicas. Sentir falta dele era meu sentimento favorito. Eu adorava esperar a que momento do dia eu poderia ve-lo cruzar alguma rua a distância. Meu coração acelerava se eu via ao menos parecido. Se fosse ele, de fato, a graça diminuía, mas ainda era excitante observar seus passos a distância. Odioso era quando ele se aproximava. Ou quando eu por obrigação ou esquecimento ia ao seu encontro.


Mas acabou. Como tudo na vida acaba. Hoje ele é meu personagem. E sua ausência agora será, inevitavelmente, objeto do meu amor eterno.
- Nego, como é seu nome mesmo? - perguntei pela terceira ou quarta vez.
- Dorival - ele me respondeu rindo - Lembre de Dorival Caymmi que você não vai mais esquecer.
- Menino, agora eu não vou esquecer seu nome nunca mais!

E não esqueci mesmo.
E, mesmo que tentasse esquecer, a marca de mordida que aquele escorpiano deixou em meu braço me faria lembrar...
Eu acho que entendo como ele se sentia.
Eu já quis, em algum momento, estar perto e longe.
Emocionalmente já estive. E creio que ele o tempo todo. Mesmo antes da canoa.

Acho que todo jovem já teve uma fase assim.
Não exatamente assim. Mas assim.
A minha passou. A dele não.

Não entendo o rio.
Não é minha realidade.
Nem as árvores.
Mas entendo o longe e perto.

Eu não fiz. Eu teria me arrependido. Hoje.
Ele não.
Ou ele sim.
Ele quis voltar. Acho que quis.

Eu acho que entendo ele.
O narrador sabe de muita coisa.
Eu só acho.


- Texto inspirado pelo conto A terceira margem do rio, de Guimarães Rosa.

sobre ontem

E ai? Ele me perguntou após me responder que sim, havia beijado a outra menina.
Eu disse a ele que estou confusa. Disse que estou com raiva dessa história de haver menina. Disse que não é normal eu sentir isso e que eu não sei o que está acontecendo comigo.

Disse isso andando de um lado pro outro da sala, quase me esbarrando nas paredes. Enquanto ele, quieto, me observava.

Eu disse que o outro dia no restaurante universitário foi constrangedor. Parecia que eu e a outra moça o estávamos disputando. Disse que se eu não passei por isso na adolescência, não o passaria agora. Ele nada respondeu.

Pedi um pouco de... Água?; ele completou. Sim, por favor; respondi.

Ele me perguntou se eu não estaria o amando. E eu ri. E meu riso, de tão forte que ecoou pelo prédio inteiro. Eu não queria. Mas ri.
Eu ri de desespero. Mas não sei se ele sabia.

Eu disse a ele que pensei em não ir na casa dele por uma tempos. Até a poeira baixar. Ele me perguntou se minha solução era não ir mais na minha casa. Eu ri sem graça e perguntei qual a solução dele. Ele não respondeu.

04/10/2015
Salvador, Bahia, Brasil.