Mas não

- Olha, eu só tô ligando pra dizer que eu não me arrependo de nada do que eu disse ontem. E que realmente acho que seria melhor cada um seguir seu próprio caminho.

Foi assim que ela arrasou meu coração. Esmagando a frágil esperança de que naquela ligação ela dissesse para esquecer a briga, dissesse que me amava que me queria de volta. Mas ela não disse.

Ela terminou dizendo que ia dar um tempo pra eu me recuperar e depois ia buscar as coisas em nossa casa no Rio Vermelho. Ela disse que ia voltar para o apartamento no Imbuí. Ela disse que tudo ia ficar bem. Mas eu não acreditei em nada do que ela disse, por que ela disse que me amava.

Eu quis xingá-la de todos os nomes possíveis. Eu quis chamá-la de mentirosa. Quis perguntar o que aquele ser frio tinha feito com minha noiva. Quis implorar perdão, que me perdoasse pelo erro que ela cometeu. Quis matá-la. Quis pelo menos bater o telefone. Mas não fiz nada disso. Assenti e esperei ela desligar.

Ela veio, uma semana depois. Bateu na porta, disse que tinha perdido a chave. Parada à porta do quarto, me senti mas um móvel ao vê-la arrumar as coisas. Ela, concentrada em juntar tudo que havia comprado do próprio bolso, sequer olhou meu rosto. Nem sequer viu meu desespero mal contido nos olhos marejados. Meus olhos que quase gritavam o grito que a garganta, doída, não tinha mais forças pra deixar sair. O grito que dizia: 'não me abandone!' Mas não gritei.

Ela se foi. E já fazem dois meses que vivo de pão, chocolate, vodka e rum. Mas não morri. Ainda.